Desde que veio ao Rio de Janeiro pela primeira vez, em 1995, o artista português-alemão Daniel Blaufuks ficou encasquetado com uma incongruência que achou muito marcante na cultura carioca: seu jeito de, olhando de frente para o futuro, dar de ombros para o passado. “As pessoas nessa cidade vivem tão voltadas para a ideia de futuro que se esquecem das tantas camadas históricas que a compõem”, diz, acusando outra dissimetria: “Mas, ainda hoje, no imaginário sobre o Rio, prevalecem músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que são as mesmas canções de 30 anos atrás. Porque o ontem faz parte, também, do presente”.
Foi dessa impressão da Cidade Maravilhosa que nasceu Hoje é sempre ontem, mostra que o artista inaugura nesta quinta (5/5) no Museu de Arte Moderna (MAM), onde fica em cartaz até 21 de agosto. São dezenas de fotografias, projetadas incessantemente numa instalação, compondo uma espécie de filme em loop. Nas imagens, pequenas nesgas de ambientes cariocas, nas quais domina um ou outro detalhe: uma flor tropical, um pinguim decorativo, uma toalha amontoada sobre um banco. Fragmentos visuais que, ao acionar um jogo de ressonâncias simbólicas, dizem muito sobre o trabalho de Blaufuks.
“Me interessa menos a floresta do que a flor que nela me surpreende. São os detalhes que despertam a minha atenção”, justifica Blaufuks, que dedica essa exposição ao curador brasileiro Paulo Reis, falecido na última semana de abril.
Memória
Nascido em Lisboa, numa família de refugiados judeus alemães, o artista tem corrido o mundo elaborando narrativas poéticas – em fotografias, vídeos, diários e num constante flerte com a literatura – sobre as tensões entre público e privado, as subjetividades e sua interação com os espaços. Por isso, é reconhecido hoje como um dos artistas portugueses a melhor usar as possibilidades tecnológicas contemporâneas para perscrutar a temática da memória coletiva.
Foi Paulo Reis que aproximou Blaufuks do Rio de Janeiro, ao convidá-lo, em 2003, para dar aulas e expor na cidade. Foi a primeira temporada longa do artista português na capital fluminense. A partir daí, voltaria a visitá-la sempre.
“O Rio me pareceu desde o início uma cidade bem louca”, afirma. “Louca ao olhar: há aqui uma natureza tropical fascinante, aliada a uma posição geográfica incrível. Você olha ao redor e, onde menos espera, há morros, recortes. Você se depara com frutas que para mim são pouco habituais, raras. Com uma mistura de cores e cheiros que surpreende o estrangeiro”.
Surpreso ele também ficou ao encontrar, inteiramente por acaso, o título ideal para a sua exposição – e no próprio museu que a acolhe. Estava em visita à mostra Genealogias do Contemporâneo – Coleção Gilberto Chateaubriand, quando se deparou com uma colagem do Wesley Duke Lee (1931-2010), que traz a frase Hoje é sempre ontem. “Pensei imediatamente que aquela frase tem muito a ver com o Rio de Janeiro, uma cidade que vive a expectativa de um futuro com Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, mas que tem uma relação muito peculiar com sua memória”, explica o artista, que foi o vencedor do Prêmio BES Photo 2006, a mais importante láurea de Portugal para a fotografia.
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